quarta-feira, outubro 05, 2005


Os tontos chamam-lhe torpe

Ultimamente está em voga (li sobre o assunto apenas na Causa e no Blogame, mas só pode ser fenómeno generalizado, o mundo dos blogs costuma ser muito redondo) criticar a pronúncia de Lisboa. Que não respeita a pureza da nossa língua, que é snobe, que as vogais se não querem abertas e os ésses empatas. Ora, a imaculabilidade de uma língua pode ser tema de graçola revisteira, mas não há graça nenhuma na virgindade ofendida de uma vogal fechada. E acusações de snobismo por pormenores de rama são sintoma de menoridade provinciana. Todas as pronúncias são bonitas no que revelam de nós e ninguém fala melhor do que o vizinho por encolher o xis oculto que há em cada ésse por aí à solta.

Estou à vontade para perorar, pois sou uma pronunciadora mimética. Meia dúzia de dias no Porto e venho a trocar os bês pelos vês. Um fim-de-semana nos Açores e ninguém a mais de uma légua do Pico me compreende. O axim beirão também já me atacou. Aliás, ao fim de uma hora de conversa com um gago, e-e-e-eu est-t-t-tou a-q-q-qui. Como, depois de uns dias de férias no Algarve, começo a falar o inglês de um canalizador do Yorkshire. E nem o facto de no dia a dia ser mais lxbôa me tira a legitimidade transversal.

Uma língua viva é permeável e quer-se sabotada a cada dia na sua imutabilidade. O que é complicado e exige algum domínio, sob pena da subversão não passar de ignorância - coisa bem mais grave do que o snobismo ou a sua lupa, o sentido de inferioridade. Por isso me incomodam fenómenos como a linguagem sms escrita fora do telemóvel, as inconcebíveis legendas que vão aparecendo nos filmes (onde a maior parte dos indivíduos descritos como tradutores deveria ter antes do nome a designação assassino a soldo), os repórteres televisivos que só eles sabem porque não ficaram na escola, mas quanto à sonoridade da Kapital, do ninho do dragom, do torrão ou da insularidade… vivá música!